Lente para luz azul: ciência derruba mito de que filtro protege a visão das telas
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Confira agora a matéria que a Dra. Marina Roizenblatt participou no Portal O GLOBO sobre: “Lente para luz azul: ciência derruba mito de que filtro protege a visão das telas”.
Trabalho concluiu que óculos com as lentes especiais não têm potencial comprovado para reduzir fadiga ocular, melhorar qualidade do sono ou diminuir danos.
Embora amplamente comercializados com promessas de proteger a visão, melhorar o sono e reduzir a fadiga decorrente do excesso do uso de telas, os óculos que filtram a luz azul não conseguem proporcionar esses três benefícios. É o que mostra uma ampla revisão de 17 estudos sobre o tema, publicada nesta sexta-feira no Cochrane Database of Systematic Reviews – uma das plataformas mais renomadas no meio científico.
O trabalho foi conduzido pela Universidade de Melbourne, na Austrália, em colaboração com com pesquisadores da Universidade Monash, também no país, e da Universidade de Londres, no Reino Unido.
“A pesquisa mostrou que essas lentes são frequentemente prescritas para pacientes em muitas partes do mundo, e existe uma série de alegações de marketing sobre seus benefícios potenciais”, diz a principal autora da revisão e professora da Universidade de Melbourne, Laura Downie, chefe do laboratório Downie sobre saúde ocular, da instituição, em comunicado.
Porém, continua, “os resultados de nossa revisão, com base nas melhores evidências disponíveis, mostram que elas são inconclusivas e incertas para essas alegações. Nossas descobertas não apoiam a prescrição de lentes com filtro de luz azul para a população em geral”.
A luz azul é emitida pelas telas dos dispositivos móveis e considerada importante por influenciar a regulação do ciclo vigília-sono. Em excesso, supostamente teria a capacidade de provocar danos na visão, algo que é questionado pelos especialistas. É comum encontrar à venda óculos com lentes que prometem filtrar a onda.
Porém, o pesquisador do laboratório Downie e também autor da revisão, Sumeer Singh, afirma que “a quantidade de luz azul que nossos olhos recebem de fontes artificiais, como telas de computador, é cerca de um milésimo do que recebemos da luz natural do dia” e diz que as lentes apenas “filtram cerca de 10 a 25% da luz azul”.
— Para que eventualmente trouxesse algum benefício, esse filtro acabaria impactando na visão, as lentes seriam escurecidas, por exemplo, haveria uma alteração da divisão de cores. E a revisão do Cochrane realmente não observa uma evidência significativa para reduzir a fadiga, melhorar o sono, que era a expectativa. Isso precisa ser considerado se o paciente quiser utilizar essa tecnologia — diz Flavio Mac Cord Medina, diretor da Sociedade Brasileira de Oftalmologia.
Os pesquisadores avaliaram 17 estudos, de seis países, em que foram comparados participantes fazendo uso dos óculos com a lente especial e outros, de itens com lentes comuns. Nos estudos, o número de voluntários variou entre 5 e 156, e o período de acompanhamento foi de um dia a até cinco semanas. Após analisar os dados disponíveis, os responsáveis concluíram que não foram encontradas evidências que apoiassem os supostos benefícios na redução da fadiga ou melhora do sono.
Em relação aos possíveis danos, o professor de oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Paulo Schor explica que a ideia de que a luz azul seria prejudicial é por ela ser a mais próxima da ultravioleta. No entanto, cita que não há evidências nem mesmo que a ultravioleta consiga de fato causar danos aos olhos – nem pela alta exposição ao sol nem ao computador.
— A indústria usa experimentos em laboratório para dizer que a luz azul seria um vilão para os olhos e, portanto, deveria ser bloqueada. Mas não existem estudos sólidos que abordem mesmo um possível dano da luz ultravioleta no olho das pessoas. A comunidade médica científica mais séria não acredita muito nisso, então a conclusão do estudo está alinhada com o que advogamos há muito tempo — diz.
Já sobre o impacto na fadiga, Schor, que é também colaborador da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, esclarece que não há relação com a onda azul em si, mas sim com os hábitos durante o uso da tela.
— Existe uma fadiga ocular quando estamos em telas porque piscamos pouco, temos a tela numa posição um pouco mais alta e acaba evaporando mais água do olho, então ele fica mais ressecado. Por isso, pingar um colírio ajuda, descansar de tempos em tempos, piscar mais o olho. Menos brilho, por exemplo, é algo que algumas pessoas preferem, mas não tem a ver com prática científica e a onda da luz, tem a ver com gosto — explica.
A Associação Americana de Oftalmologia cita, por exemplo, que normalmente um indivíduo pisca 15 vezes por minuto, mas que essa taxa pode cair pela metade ao utilizar dispositivos com tela. Sobre o impacto no sono, algo que a luz de fato pode provocar, a médica oftalmologista Marina Roizenblatt, especialista em retina cirúrgica, concorda que as lentes não são capazes de evitá-lo:
— Existe de fato a recomendação de não se expor a telas antes de ir para cama, porque pode afetar um pouco o ciclo circadiano. Mas o fato de usar ou não o óculos com filtro azul não vai mudar isso. Então o ideal seria evitá-las mesmo nos períodos imediatamente antes de dormir — explica.
Confira 5 dicas da Academia Americana de Oftalmologia para reduzir o incômodo do excesso de telas:
- Faça pausas frequentes usando a regra “20-20-20”. A cada 20 minutos, desvie o olhar da tela e olhe para um objeto a seis metros de distância (20 pés, por isso o nome) por pelo menos 20 segundos.
- Use lágrimas artificiais para lubrificar os olhos quando estiverem secos.
- Mantenha distância. Sente-se a cerca de 63,5 centímetros, ou à distância de um braço, da tela e ajuste a altura do monitor para que você olhe ligeiramente para baixo.
- Reduza o brilho. Para algumas pessoas, pode ajudar a reduzir o cansaço visual.
- Use óculos, não lentes. Se você precisa de óculos, opte por eles durante períodos mais longos em frente ao computador em vez das lentes. Isso porque elas podem aumentar o ressecamento e a irritação.
Limitações da revisão
Downie destaca que a revisão foi conduzida dentro dos parâmetros do Cochrane para garantir que os resultados sejam robustos. No entanto, pondera que eles devem ser avaliados com base na qualidade dos estudos que estavam disponíveis. Um dos problemas, por exemplo, é o curto período em que os participantes foram acompanhados, o que impede conclusões mais sólidas sobre impactos a longo prazo.
“Ainda são necessários grandes estudos de pesquisa clínica de alta qualidade com acompanhamento mais longo em populações mais diversas para determinar com mais clareza os efeitos potenciais das lentes de óculos com filtro de luz azul no desempenho visual, no sono e na saúde ocular. Eles devem examinar se a eficácia e os resultados de segurança variam entre diferentes grupos de pessoas e usando diferentes tipos de lentes”, diz Singh.
A revisão também destaca não ter encontrado nenhum relato consistente sobre efeitos adversos decorrentes do uso das lentes de filtro azul. Alguns participantes relataram desconforto, dor de cabeça ou alteração do humor, mas todos de forma leve, infrequente e temporária. Para os responsáveis pela análise, “provavelmente (os efeitos) estavam relacionados ao uso de óculos em geral, já que efeitos semelhantes foram relatados com lentes que não filtram a luz azul”.
Mudar as configurações da tela, como na ‘função noturna’, ajuda?
Outro recurso comum de ser utilizado para minimizar a emissão da luz azul é a alteração nas configurações de monitores e dispositivos móveis. Muitos já contam com uma “função noturna”, em que o brilho é diminuído e ajusta as cores para tons mais quentes.
No entanto, também não há estudos sólidos que comprovem que essas mudanças de fato produzem um impacto significativo na hora de dormir ou na fadiga. Um trabalho conduzido pela Universidade Brigham Young, nos Estados Unidos, e publicado no periódico Sleep Health, em 2021, avaliou esse suposto benefício.
Eles dividiram 167 adultos, com idades entre 18 e 24 anos, em três grupos. O primeiro usou o celular com a “função noturna” do iPhone ativada durante a noite. Já o segundo utilizou o aparelho à noite sem ativar a configuração. Por fim, o terceiro não usou o celular durante o período.
Eles passaram ao menos oito horas na cama e usaram um acelerômetro no pulso para registrar a atividade de sono. Foram monitorados fatores como duração total, a qualidade, acordar durante a noite e o tempo necessário para adormecer. Numa primeira análise, os responsáveis pelo estudo não observaram nenhuma diferença significativa entre os três grupos.
Mas, quando avaliados aqueles que dormiram por ao menos sete horas, o que é mais próximo às oito recomendadas pelas autoridades de saúde, eles observaram que os que não usaram os celulares tiveram uma qualidade de sono melhor do que os que utilizaram os dispositivos antes de ir para cama. Porém, a ativação ou não da “função noturna” não fez diferença.
“Embora haja muitas evidências sugerindo que a luz azul aumenta o estado de alerta e dificulta o adormecimento, é importante pensar sobre qual parte dessa estimulação é (de fato) a emissão de luz versus outras estimulações cognitivas e psicológicas”, sugeriu o autor do estudo e professor de psicologia da BYU Chad Jensen, em comunicado na época.